segunda-feira, 27 de outubro de 2014

ZACK E O MAR


Zack corre após tirar os chinelos
Pontilhando na areia a alegria
De quem reencontra um velho amigo,
Gaivota perseguindo siris,
Marujo avistando terra firme.
Não faz sol
E o mar está nublado, cinza, carregado
E o céu negro, sujo, enferrujado...
Mas Zack não dá bola
E me pede a bola
Para que, num chute,
Manifeste a alegria de ser vento
Enquanto o mar mira o garoto
Agitado, saltitante, desesperado
Com as ondas que vem
Com a areia que se vai
Com o sal que engole
Com o mar nos ouvidos
E o nariz escorrendo.
Zack parece peixe dentro d’água
Enquanto a praia enferruja os portões,
As janelas, as antenas, as bicicletas
Mas não o menino,
Meninos não enferrujam
Nem quando o mar está nublado,
Nem quando o frio lhe deixa roxo e arrepiado
Zack quer deixar a praia
Que não precisa de sol,
Não para o menino.

terça-feira, 30 de setembro de 2014

LITORAL


pipas cortando gaivotas
urubus dedurando morte
crianças fugindo e perseguindo
ondas indo e vindo
mulheres trepando com o sol
e homens gozando playbacks
deixam na praia um quê de mijo  
protetor solar catarro  
carniça e salmoura.  

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

ATRIZ DE TREM


tão cênica
com seus apetrechos hospitalares
encenando complicações respiratórias

tão cínica
com sua corcunda de dromedária
manquitolando numa bengala pesares

cênica,
cita um trecho miserável
doutro miserável qualquer

cínica,
grita e faz valer o que quer
tornando a vaia deplorável

cênica
é aleijada, tísica,
faminta e terminal


cínica
é mendiga, etílica,
nóia e sem um real

cínica,
esmola e amaldiçoa
quem não cai na sua lábia

cênica,
descola e caçoa
de quem cai na sua lábia.

segunda-feira, 16 de junho de 2014

PILOTOS

eles carregam os braços
e, simultaneamente,
levantam vôo
duma esquadrilha de aviões de papel
que, num breve vôo,
bombardeam o chão de sombras
para após ejetados os pilotos,
simultaneamente,
cairem todos no esgoto.

domingo, 13 de abril de 2014

LUNÁTICOS III

SE HÁ LUARES NA TUA RETINA
HÁ LUPANARES EM CADA ESQUINA
E NÃO PRECISA ALMA LUPINA
PARA ESCUTAR A LUA NA TUA TELHA,
PARA VADIAR NA RUA QUE TE ESPELHA.
SE NA TUA RETINA MINGUA A LUA,
EM MIM CRESCE UMA RUA NOVA,
ONDE O SOL NEM SOMBRA FAZ À LUA
QUANDO MERGULHO EM TUA RETINA
COM UMA GRAVIDADE QUE TE ANCORA
E, CACHORRO, TE DOU UMA MORDIDA.

LUNÁTICOS II

SONAMBULA NA LUA O ASTRONAUTA,
PERAMBULA NA NOITE ALTA
FEITO FANTASMA NA RUA SEM ALMA
ILUMINADA POR POSTES DE LUZ BAÇA
QUE FAZEM DA RUA UMA TIA SEM GRAÇA.
PERAMBULA PELA RUA O FANTASMA
FEITO SATÉLITE EM LUZ PERIFÉRICA
ONDE REINA, QUANDO DIA, A GRITARIA;
QUANDO LUA, SÓ REINA O VIRA-LATA
QUE LATE E UIVA AO ASTRONAUTA
FEITO BÊBADO CANTANDO SERENATA.

LUNÁTICOS

Se na lua não faz sol,
na lua é sempre noite
pro astronauta sonâmbulo
que caminha fantasma
numa angustia de asma.
Se na lua não faz sol,
faz muito no vira-lata
que boceja na calçada
- com gravidade, sem asma -
pois, na noite sonâmbula,
uivou e latiu ao astronauta.

quarta-feira, 12 de março de 2014

TAKES


Cachorros e ratos,
pombos e mendigos,
pelejam a céu aberto
pelo lixo orgânico.

De repetentes
a, de repente, reincidentes;
antes fliperamas...
Sem credits, sobram dramas.

Homicídios em 3D
e não é sangue de sachê.
Os meninos, antes heróis,
dos meninos são anti-heróis.

Neném ninado por arrulhos,
ventres prenhes de entulhos.
A pá compondo a cova
a digerir sonho decomposto.

Meninas antes inacessíveis,
ficaram tão perecíveis.
Metais nobres, de quilates,
pesam menos que biscates.

Que adianta derrubar a estátua
e depois, do nada, está a tua?
Içar bandeira contra bandeiras,
Queimando bruxas nas fogueiras?

Na cidade ramificam-se ruas,
no corpo urbanizam-se veias,
veias azuis saltam das véias,
soldados aspiram enfermeiras nuas. 

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

SONETO SACANA

Entre suas coxas descubro outra boca
A qual beijo e sou beijado sem pudor
E minhas calças fazem volume e furor
Semelhante quando a beijo na boca.

Beijo a cicatriz fruto de sua vaidade
E subo pelo seu ventre até suas tetas.
Após mamá-las, faço ali minha cidade,
Beijando-te com a boca pura boceta

E alcanço teu pescoço feito um vampiro,
Lambendo e chupando, açulando os caninos...
Você geme entregue, sacrifício, e louca

Voa no meu pescoço, chupa meus mamilos,
Baixa minhas calças, solta meu passarinho
Que, quando vejo, voa no céu da sua boca.

BORBOLETAS NO LENÇOL (VESPERTINA VERANEIO)

Andorinhas andorinham perto de casa
O cerol, do papagaio, tirou a asa.
No varal, as estampas no lençol
Voam sacudidas pelo vento
Nada lento um temporal trazendo
Que, da molecada, tirou o sol.
Ela tampa os ouvidos
Devido o trovão ainda relâmpago.
Ela me abraça a cada estampido;
Abraçado, escuto o ocorrido:
É trovão o que foi relâmpago.
A chuva varre a molecada
Da rua e do céu.

 
                               poema de 2007

NUVEM

Urubus plainam
Cirandam
Avistam
Farejam
Caças bombardeios
Moscas sobre o charque
Meninos em tiroteios...

Urubus em círculos
Farejam carniceiros
Avistam o ataque
Caçam a seca
Cirandam túmulos
Cobrem a morte
Deixam a caveira.

Trajados a rigor
- Paletós e cachecóis
Melancólicos
Agouro e fedor
Tapurus... Autópsia...
Vivem de óbitos
  São luto no céu.  

domingo, 2 de fevereiro de 2014

ESPELHO DO BANHEIRO

Teu rosto
No espelho
No espelho
Rosto meu.

Penetro
Teu rosto
Me aperta
Rosto meu.

Duro duro
Teu rosto
Molhadinha
Rosto meu.

Acelero
No espelho
Se arreganha
Rosto teu.

Se contrai
No espelho.
Ejacula
Rosto meu.

Amoleço
No espelho
No cio
Rosto teu.

Uma cadela
  No espelho. 
De cachorro
Rosto meu.


sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

SEBO



Hamlet apoiado em Machado
Amarelado Quixote
Debruçado na nau de Camões.
Rasgado Tolstói guerreando
Na orelha dalgum filósofo alemão.
No fim
Amor, guerra, loucura, razão,
Poder, fome, deus e a morte

Retornam ao pó.

ALMA PENADA

raposa vespertina
com o poente esfriando na retina
fareja por comida

raposa rapina,
dando o bote que o instinto ensina,
filho ou filha

raposa repentina
dá mais uma baixa, na surdina.
Na boca, uma cria

raposa canina
corre como se engatasse uma turbina
ao ouvir insana matilha.

raposa menina
distraída se assusta com a buzina
no meio da pista

raposa lupina
ao encher-se de lua desatina
uivando sozinha

raposa clandestina
tem na clandestinidade sua sina,
caça sangue, não vinha

raposa solferina
baila no breu babando. Salina
de suor, masca e saliva

raposa cretina
traz além da boca assassina
o silêncio da fome sombria

raposa calada
é a morte roendo a ossada
atrás da vida acossada

raposa ferida
pelo chumbo da arma homicida
não chora, só manca e esfria.


                                     poema de junho de 2013 

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

O IMPERADOR SOBRE O EMPINADO CORCEL


De que vale a espada desembainhada
Apontada pros céus em ameaça
Se, entre os anônimos da praça,
És presa fácil pra pichação e cagada?

Pra quê tanta glória e história
Chumbadas no bronze, inclusas no nome
Se, hoje, figurando entre o vício e a fome,
És amigo e penico da escória?

De que adianta domar o selvagem corcel
Cujo relincho está trancafiado
Se, imponente e negligenciado,
És nada mais que uma memória ao léu?

Anônimo aos muitos anônimos,
O imperador posa para turistas engraxates
Migrantes mendigos ilusionistas e biscates 
Cheio de si e ’ternizados ânimos.

BRADO DO BARDO BARBADO II


Não busque em mim versos beligerantes,

tampouco amores bebendo refrigerante.
Não rego o poema com enchentes
nem deito nele deixando-o dormente.
Pode o poema estar no sono do ventre;
quiçá entre vermes devorando leão doente,
quiçá entre gaivotas, quiçá escravo...
Não busque função no que esculpo... Desculpe, escrevo.
Da pedra se extrai busto e lápide,
do homem se extrai pedra e cinzel.
Com um formão, abro meu peito!
Com sol e chuva, Tempo talha meu mármore
e " O Imperador Sobre O Empinado Corcel'  
não é uma estátua, é um poema a ser feito


BRADO DO BARDO BARBADO

Ou faço versos cortantes
como cerol
ou corto os pulsos,
dando a palavra ao sangue.

Ou faço versos brilhantes
como bisturi
ou abro o peito
deixando que diagnostiquem e concluam:
só conversa fiada.

Ou faço versos com cerol
escrevendo com bisturi
ou choro o bastante
para que sintam o corte em mim.

Fico com os versos afiados
mesmo estando em cacos
por ser homem barbado.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

CIRCENSE II

Ruflam os tambores:
Mãos encobrem olhos...
Tapam bocas...

Cai o equilibrista da corda bamba
Silenciando a roda de samba.
O malabarista derruba ovos no chão,
O trapezista parece com o cu na mão
E o engolidor de espada
Não parece afiado hoje.

O pirofagista engasga,
A fera masca a cabeça do domador;
O artista erra o alvo e alveja sua irmã
E na plateia não há voluntários
Pra assistente do mágico
No truque do serrote.  

O apresentador anuncia o palhaço
“mas este foi comprar cigarros e se extraviou”,
Informa a desolada mulher barbada.
Da arquibancada calafrios, vaias,
Pipocas, flashes e piadas 
Do episódio do extravio.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

DECORAÇÃO


Viralatasamammendigos
namesmacondiçãotodossãoirmãos.
osmolequesdaperiferiaadoramfazerinimigos
comsuasbombasmobiletesebolasdecapotão.
osvelhoslobosadoramadolescentes
emshortsdeginásticacoladosdesuor.
gatosdomesticadosnecessitamvagabundear
evoltardemadrugadanumcuidadoderato.
ohomemfrustadoprecisareclamar.
culparamulherosfilhosojuízeocoração.
asenhoracomdiabetesamapanetones,
plantassombraCristoeofilhomorto.
obardaesquinaestocanaprateleira
rótuloscommãemulherfilhoseviralatas.

Avizinhanaminharuaantiga
faleceuessesdias
esuacasavazia
ficouvazia
eficounaruavazia
quejánãoéaruaantiga,
nemémaisruaminha,
masláaindahá
umlotadobardesquina.

PROTOCOLAR

ANO NOVO NA PRAIA

MICOSE NA AREIA
MIJO NO MAR
NAS ONDAS SUJEIRA
PÓLVORA NO AR
DESPACHO NA PRAIA
ROSAS À IEMANJÁ
MOLECADA FEIA
ARRASTANDO LÁ.
ESPUMANTE NA AREIA
VELHO A RESSACAR.